segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Amor certo

Quando o dia aquietava acontecia de os dois estarem na sacada de seus respectivos apartamentos no mesmo momento. Olhavam para o horizonte com ar melancólico, um pensando no outro. Sem sair do lugar, se encontravam. Aconteceu por muitas vezes.
A relação havia sido desgastante. Não existiam planícies e Ana vivia em picos: imensa felicidade seguida de intensa decepção e carência. A confiança estava ferida pela falta de constância, por lentes muito antagônicas de ver o mundo, por desistências repentinas e mal explicadas.
Um mês antes de terminarem, Ana havia planejado em detalhes um final de semana com dois casais de amigos. Pesquisou cidades e achou uma pousada muito charmosa no sul de Minas. Reservou, trocou ideias com todos por semanas e planejaram passeios guiados. Ana queria muito aqueles dias com Carlos. Por causa do filho do primeiro casamento dele e da pós-graduação dela, se encontravam apenas em alguns finais de semana.
Na sexta-feira da viagem, Carlos ligou cedo e sinalizou que talvez não pudesse ir. Estava começando a ficar resfriado, precisava descansar de verdade e a próxima semana não seria fácil com tantos clientes agendados. Ana pediu que ele avaliasse bem, afinal a pousada já estava pré-paga, os amigos iriam de qualquer forma, haviam feito o planejamento todo com as reservas de passeios.
- Se melhorar, vou ao encontro de vocês.
Carlos não apareceu. Ana tentou justificar a ausência dele perante os amigos, fingiu que não era grave. Engoliu o choro todo o tempo em que estava acompanhada. Ficou sozinha em um chalé lindo. Escolheu um canto da cama enorme e, encolhida, se cercou dos travesseiros em busca de alguma resposta. Nada.
Ana não sabia isolar o problema em um único compartimento da vida. A dor vazava por debaixo da porta e contaminava outros cômodos. Acabava com sua concentração para a pós-graduação, tirava o ânimo do trabalho.
Durante os três anos de namoro, a generosidade de Carlos surpreendia. Ele era 10 anos mais velho, tinha a vida profissional estável. Chegou a pagar a dívida do apartamento de Ana. Faltavam ainda sete meses de prestações, que pesavam no orçamento dela. Ele dizia que era bom com questões financeiras porque aquilo era fácil. Difícil era o resto. Difícil era assumir que tinha e queria um amor.
Depois que terminaram, quando o dia aquietava acontecia, às vezes, de os dois estarem na sacada de seus respectivos apartamentos no mesmo momento. Olhavam para o horizonte com ar melancólico, um pensando no outro. Sem sair do lugar, se encontravam.

Ainda doía dentro, quando André chegou. Ele era cliente do escritório de arquitetura, em que Ana trabalhava. A arquiteta que cuidava de sua conta entrou em férias e Ana ficou responsável por um dos projetos. A convivência no trabalho acabou abrindo uma porta para a vida pessoal. Com a desculpa de mostrar à moça uma casa bonita e antiga, patrimônio histórico que Ana ainda não conhecia, André convenceu-a a encontrá-lo em um sábado.
A tal casa ficava em um parque e o passeio tomou a tarde toda. O parque em si já era incrível, com árvores altas, imponentes. Trechos do passeio cheiravam a jasmim. A conversa comprida não tinha vontade de acabar. André contava sobre as viagens e a imigração do pai português. Confessou que, na adolescência, sentia um certo preconceito por Portugal. Não gostava do sotaque do pai, era gozado pelos colegas da escola.
Sua primeira viagem a Lisboa quebrou paradigmas. Quando viu a majestade das construções, conheceu o Monumento aos Navegantes, ouviu novos jeitos de dizer, sentiu um tipo de nostalgia. Nunca havia estado ali, mas parecia que acabava de conhecer seu pai sob novos ângulos. Estar em Portugal trazia as origens para perto, fazia com que entendesse alguns de seus próprios jeitos e gostos. A nostalgia parecia uma memória inventada de pertencimento.
Ana era uma boa ouvinte, gostava das histórias. André era um bom contador. Depois do primeiro encontro, vieram outros. Desculpas arquitetônicas se somavam agora a desculpas portuguesas: a busca pelo melhor bacalhau, visitas a confeitarias para experimentar doces portugueses, degustação de vinho verde...
André foi conquistando espaço devagar, como quem não precisa de todo o território, como quem aceita um chá e não faz questão de toda a refeição, como quem recebe um único sim e logo ignora tantos nãos. A falta de pressa e a tranquilidade dele geraram em Ana a confiança de que, desta vez, seria amada.
Enquanto isso, Carlos estava se recolhendo ao espaço das memórias. Mas, às vezes, quando o dia aquietava ainda acontecia. Ana e Carlos estavam na sacada de seus respectivos apartamentos no mesmo momento. Olhavam para o horizonte com ar melancólico, um pensando no outro.
Ana se perguntava: Existe amor certo? Amor certo é aquele que amamos mais ou aquele que funciona melhor? Enquanto a moça divagava em análises amorosas, André ganhava tempo e quebrava velhas resistências. Ana se deixava amar.